O Governo publicou um numeroso conjunto de diplomas que veio alterar quase todas as leis da Administração Pública. A este processo o primeiro-ministro e o Governo designam por ‘reforma’ da Administração Pública (AP).
Mas, segundo o economista Eugénio Rosa, muitas dessas leis, mesmo antes de entrarem em vigor, foram várias vezes alteradas pelo próprio Governo, de que são exemplo as relativas ao Estatuto da Aposentação, e mesmo na Lei do OE 2009 que ainda não entrou em vigor, mas onde o Governo altera disposições de leis que antes publicara.
Tudo isto vem demonstrar que essas leis foram elaboradas e aprovadas à pressa e sem se analisar as consequências da sua aplicação, criando assim uma grande insegurança e instabilidade em toda a AP, o que está também a provocar a desorganização de serviços públicos com consequências negativas para a população.
O Secretário de Estado da Administração Pública (SEAP) anda a percorrer os distritos do País com o objectivo, diz ele, de esclarecer e tranquilizar os trabalhadores sobre a ‘reforma’ governamental da AP. Esteve no dia 12 de Dezembro em Braga, e já anunciou que estará nos dias 9 de Janeiro em Lisboa, 21 em Viseu, 28 em Setúbal, 6 de Fevereiro no Porto, 18 em Coimbra, 4 de Março em Faro, 13 em Beja, e 3 de Abril em Évora.
Porém, há questões graves que o Governo se tem recusado a esclarecer e que era importante que o SEAP o fizesse nessas reuniões e não as transformasse em sessões de propaganda do Governo.
Era importante que o SEAP esclarecesse como se compatibiliza a disposição constante do artº 88º da Lei 12-A/2008, que pretende liquidar o vinculo de nomeação na AP, com o texto constitucional, pois, como escreveram Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, “esta alteração unilateral de regime de vinculação não é compatível com o texto constitucional, violando frontalmente o principio constitucional da protecção da confiança e o direito fundamental de acesso à Função Pública”.
Era importante que o SEAP esclarecesse que medidas o Governo tenciona tomar para que a insegurança e precariedade provocada pelas eventuais alterações anuais nos quadros de pessoal dos serviços previstas no artº 5º da Lei 12-A/2008, não determinem que muitos trabalhadores sejam considerados em excesso e colocados na situação de mobilidade especial ou mesmo despedidos como prevê o artº 6º da mesma lei.
Era igualmente importante que o SEAP esclarecesse que medidas o Governo tenciona tomar para que se não verifique de novo, em 2009, o congelamento de facto das carreiras da esmagadora maioria dos trabalhadores da Administração Pública.
E qual a dotação que existe no OE 2009 para mudanças de posições remuneratórias e quantos trabalhadores poderão beneficiar de mudanças de posições remuneratórias em 2009 com essa verba, quando o artº 2º da Lei do OE2009 cativa, à partida, 25% das “verbas afectas às alterações facultativas de posicionamento remuneratório”?
E tudo isto porque o nº 4 do artº 47º da Lei 12-A/2008 permite aos responsáveis dos serviços não afectar qualquer dotação para alteração de posições remuneratórias dos trabalhadores e, se isso acontecer, mesmo que os trabalhadores tenham as avaliações necessárias para poder mudar de posição remuneratória, ela não terá lugar com excepção da situação prevista no nº 6 do mesmo artigo (ou seja, o trabalhador ter somado 10 pontos). E mais quando o Governo criou um novo encargo a ser suportado pelos orçamentos dos serviços - contribuição de 7,5% para a CGA - que vai custar aos serviços 585 milhões de euros em 2009.
Seria também importante que o SEAP esclarecesse que medidas o Governo tenciona tomar para que não se criem desigualdade remuneratórias entre os trabalhadores de serviços diferentes e, no interior do mesmo serviço, entre os diferentes trabalhadores o que é permitido pelos nº 1 e 2 do artº 46 da Lei 12-A/2008.
Seria igualmente importante que o SEAP esclarecesse que medidas o Governo tenciona tomar para que não se criem desigualdades entre os trabalhadores que já estão na AP e os que entrarem no futuro para AP permitidas pelo artº 55 da Lei 12-A/2008, já que futuramente as remunerações de entrada serão negociadas individualmente entre o trabalhador e o responsável máximo do serviço ou da unidade orgânica.
Seria importante que o SEAP nas reuniões distritais que fizesse clarificasse a posição do Governo sobre as disposições graves das leis publicadas que criam insegurança e precariedade no emprego, que introduzem o arbítrio das chefias, que procuram instalar a psicologia do medo e do compadrio na Administração Publica, incompatível com um Estado democrático e com uma Administração Pública ao serviço de todos os cidadãos.
Sobre tudo isto, até hoje, o Governo nada esclareceu. 2009 começa mal para os trabalhadores, muito mal mesmo.
A existência na AP do anterior vínculo de nomeação e de regras claras na progressão na carreira defendia os trabalhadores contra o arbítrio das chefias e do poder político; impedia a chantagem sobre os trabalhadores para que satisfizessem interesses pessoais ou partidários; e garantia a prestação de serviços públicos, em igualdade, a todos os cidadãos (…)
Lamentavelmente, este Governo, ao pretender acabar com o vínculo de nomeação e ao alterar profundamente as regras que existiam na AP, nomeadamente quanto à admissão e à progressão na carreira, à fixação de remunerações, ao direito ao emprego, etc., tornando tudo isto totalmente dependente do arbítrio das chefias, cria condições para o aumento das desigualdades entre os trabalhadores dos diferentes serviços e mesmo no interior de cada serviço, para a chantagem dos trabalhadores, para os despedimento de trabalhadores mais firmes, etc.
Em suma, o que se pretende introduzir na AP é a desigualdade, a precariedade, a psicologia do medo e o poder absoluto e arbitrário das chefias, e acabar, objectivamente, com uma AP independente, que sirva, em igualdade, todos os cidadãos, passando a servir melhor alguns, aqueles que sejam do agrado das chefias e do poder político.
É contra tudo isto que todos os portugueses se devem opor.
[Estudo de Eugénio Rosa recebido por e-mail].